Os embates entre os consumidores e os planos de saúde parecem não ter fim.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfrentado diversos questionamentos, relacionados a mudança de faixa etária, previsão de reajustes em contrato, abusividade dos percentuais de aumento, aplicação de regras discriminatórias ao usuário idoso, migração de planos, coberturas de tratamentos, dentre outros casos específicos.
Fato é que, mesmo em sede de apreciação de recursos repetitivos, cada recurso pode ter um desfecho distinto, a depender do caso concreto.
Confira como tem se posicionado o STJ em alguns processos.
BUSCA POR EQUILÍBRIO
Processos sobre planos de saúde no STJ vão muito além de reajuste
Nesta segunda-feira (10/2), o Superior Tribunal de Justiça recebe a audiência pública para debater o reajuste por idade em plano de saúde coletivo. O evento vai subsidiar os ministros da 2ª Seção para o julgamento do Recurso Especial 1.715.798 e de outros com a mesma controvérsia.
No STJ, a quantidade de processos envolvendo planos de saúde e seus usuários é bastante extensa, e os temas discutidos nos recursos vão muito além do reajuste.
No REsp 1.568.244, julgado sob o rito dos repetitivos em dezembro de 1916, a 2ª Seção decidiu que é válida a cláusula que prevê o reajuste de mensalidade de plano individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário.
“A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária encontra fundamento no mutualismo e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos, o que concorre para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do próprio plano”, afirmou o relator do processo, ministro Villas Bôas Cueva.
A questão submetida a julgamento foi cadastrada como Tema 952 no sistema do tribunal, sendo fixada a seguinte tese: “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que haja previsão contratual; sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores, e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.
Regras diferentes
No julgamento, a 2ª Seção também definiu regras de reajuste diferentes para contratos novos e antigos. Nos contratos antigos e não adaptados, referentes aos seguros firmados antes da entrada em vigor da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), deve ser observado o que consta do contrato — respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa 3/2001 da ANS.
Nos contratos novos, firmados ou adaptados entre 2 de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2003, deverão ser cumpridas as regras da Resolução Consu 6/1998, a qual determina a observância de sete faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a seis vezes o previsto para os segurados entre 0 e 17 anos). Ficou estabelecido, ainda, que a variação de valor na contraprestação não poderia atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro-saúde há mais de dez anos.
Para os contratos novos, firmados a partir de 1º de janeiro de 2004, incidem as regras da Resolução Normativa 63/2003 da ANS, que prescrevem a observância de dez faixas etárias — a última aos 59 anos —, sendo que o valor fixado para a última faixa etária não pode ser superior a seis vezes o previsto para a primeira. A resolução também determinou que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e sétima.
Prazo prescricional
Ao analisar o REsp 1.361.182, também sob o sistema dos repetitivos (Tema 610), a 2ª Seção discutiu o prazo prescricional para o exercício da pretensão de revisão de cláusula contratual que prevê reajuste de plano de saúde e devolução dos valores supostamente pagos a mais. O relator para acórdão foi o ministro Marco Aurélio Bellizze.
A tese firmada no julgamento é a seguinte: “Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste neles prevista prescreve em 20 anos (artigo 177 do Código Civil de 1916), ou em três anos (artigo 206, parágrafo 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do artigo 2.028 do CC/2002”.
Estatuto do Idoso
No julgamento do REsp 1.280.211, a 2ª Seção, após questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Buzzi — relator do processo — apontando divergência de entendimento entre as turmas de direito privado, decidiu que a previsão de reajuste de mensalidade de plano de saúde em decorrência da mudança de faixa etária de segurado idoso não configura, por si só, cláusula abusiva, devendo sua compatibilidade com a boa-fé objetiva e a equidade ser aferida em cada caso concreto. O recurso tratava de um contrato de plano individual.
“A variação das mensalidades ou prêmios dos planos ou seguros de assistência à saúde, em razão da mudança de faixa etária, não configurará ofensa ao princípio constitucional da isonomia quando baseada em legítimo fator distintivo, a exemplo do incremento do elemento risco nas relações jurídicas de natureza securitária, desde que não evidenciada a aplicação de percentuais desarrazoados”, afirmou o relator.
O colegiado lembrou ainda que o reajuste por idade precisa atender aos critérios objetivamente delimitados, de modo a não ferir o disposto no artigo 15, parágrafo 3º, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o qual veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
“Resta vedada a cobrança de valores diferenciados com base em critério etário, pelas pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, quando caracterizar discriminação ao idoso, ou seja, a prática de ato tendente a impedir ou dificultar o seu acesso ao direito de contratar por motivo de idade”, disse o ministro.
Migração
No REsp 1.471.569, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a 3ª Turma entendeu que nos casos de migração de beneficiário de plano coletivo empresarial extinto para plano individual ou familiar, a operadora responsável não está obrigada a manter os mesmos valores das mensalidades praticadas no plano coletivo.
“Não há falar em manutenção do mesmo valor das mensalidades aos beneficiários que migram do plano coletivo empresarial para o plano individual, haja vista as peculiaridades de cada regime e tipo contratual (atuária e massa de beneficiários), que geram preços diferenciados”, afirmou o relator.
Equilíbrio econômico-financeiro
O ministro lembrou que, nos planos coletivos, o reajuste anual é apenas acompanhado pela ANS, para fins de monitoramento da evolução dos preços e de prevenção de práticas comerciais abusivas, não havendo necessidade de prévia autorização da agência reguladora.
Já nos planos individuais ou familiares, o magistrado destacou que não existe livre negociação, pois o preço e os reajustes anuais são vinculados à prévia autorização da ANS, não guardando o índice de reajuste correlação com a sinistralidade do plano de saúde em si, mas com outros parâmetros adotados em metodologia particular.
“O que deve ser evitado é a onerosidade excessiva. Por isso é que o valor de mercado é empregado como referência, de forma a prevenir eventual abusividade”, assinalou.
O ministro também salientou a importância de se manter o equilíbrio econômico-financeiro dos planos de saúde, para que eles continuem em atividade. “As mensalidades cobradas devem guardar relação com os respectivos riscos gerados ao grupo segurado, sob pena de prejuízos a toda a sociedade por inviabilização do mercado de saúde suplementar, porquanto, a médio e longo prazo, as operadoras entrariam em estado de insolvência”, disse.
Mínimo obrigatório
Em dezembro de 2019, no julgamento do REsp 1.733.013 (acórdão ainda não publicado), a 4ª Turma entendeu que o rol de procedimentos e eventos em saúde previsto na Resolução Normativa 428/2017 da ANS não é meramente exemplificativo, constituindo um mínimo obrigatório para as operadoras.
“O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população”, ressaltou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do processo.
Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de uma segurada que pretendia que o plano cobrisse tratamento não incluído na lista da ANS, sob a alegação de que o rol da agência reguladora seria apenas exemplificativo, uma referência básica, e que o contrato não mencionava a exclusão do procedimento desejado. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
FONTE: 10 de fevereiro de 2020, 16h02 – Consultor Jurídico